O escritor angolano Artur Pestana “Pepetela” foi distinguido com o título Doutor Honoris Causa, pelo Conselho da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil. A cerimónia de outorga deste título, aconteceu no passado dia 25 de outubro num clima bastante fraternal e de enorme reconhecimento pelo escritor.
O Conselho Universitário da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que atribuiu o título por unanimidade e aclamação, destaca a sua trajectória, nos mais de 50 anos ao serviço da literatura e da intelectualidade angolana, pela sua dedicação à promoção da língua portuguesa pelo mundo, bem como pelo facto de ser um dos escritores angolanos mais estudados no Brasil e no mundo.
A propósito da distinção, a Academia Angolana de Letras (AAL) considera “justíssima” a atribuição do título, pela instituição universitária brasileira, que destaca a sua qualidade literária e humana, lembrando ainda que a sua obra joga luz sobre a história contemporânea de Angola.
A AAL congratula-se com a atribuição de mais esta distinção, notando que o conjunto da sua obra valeu o reconhecimento nacional e internacional, com a conquista de diversos prémios literários.
A AAL augura também que este título seja uma porta que se abre a valorização, cada vez maior, da Intelectualidade angolana.
A componente histórica da obra de Pepetela mereceu particular destaque, aliás, a proposta de atribuição do título de Doutor Honoris Causa ao escritor foi levada ao Conselho Universitário da UFRJ conjuntamente pela Faculdade de Letras e pelo Instituto de História. “A história pepeteliana alimenta e permite à escrita histórica situar-se nos interstícios da dimensão do literal e do figurativo, enquanto leitura instigante e imprescindível para reflexão das historiadoras e dos historiadores em geral, e não apenas dos angolanos. Em muito no Brasil devemos à história pepeteliana, aos romances que escreveu”, sublinhou Mónica Lima de Sousa.
Já Carmen Tindó, professora da Faculdade de Letras, enalteceu o facto da obra de Pepetela ser amplamente estudada nas universidades brasileiras, e não só, com muitas dissertações de mestrado e teses de doutoramento, o que o torna, “talvez, o escritor angolano mais estudado e conhecido no estrangeiro”.
“Para construir os seus romances, Pepetela realiza pesquisas, consultas fontes históricas primárias e registos das tradições orais angolanas. A metodologia da sua escrita se alicerça não só na ressignificação de memórias individuais e colectivas, nas leituras e reflexões que como sociólogo faz do mundo e das transformações globais. Seus narradores, personagens e enredos são tecidos por jogos e estratégias de lutas, amores, ironia, poderes, geografias, factos históricos, por meio dos quais ficção e realidade se entrelaçam, narrativas literárias críticas que levam os leitores a pensar. Por tudo isso e muito mais, Pepetela merece o título de Doutor Honoris Causa conferido pela UFRJ”, concluiu Carmen Tindó.
A intervenção de Pepetela, naturalmente, era a mais aguardada do dia. Ele que, segundo disse, no princípio escrevia para o seu próprio prazer, mas depois, no prosseguir do tempo, “com o objectivo cada vez mais claro de contribuir, por pouco que fosse, para o crescimento e afirmação da literatura angolana, numa fase de oposição total à ordem colonial, procurando o povo angolano a independência, não foi escolha totalmente consciente tratar temas e personagens que se ajustavam a tal pressuposto”. Pepetela percebeu que podia, escrevendo ficção, ajudar o Angola a ser “mais livre e próspera”, o que, sublinhou, nem sempre resultou. “Mas como em todos os feitiços que falham, podemos sempre admitir não estarmos suficientemente inspirados ou empenhados na tarefa. Ou simplesmente algo de forma inexplicável foi mal feito, mas sem pôr em causa a crença na eficácia da tal magia”, ironizou.
O escritor destacou o papel da UFRJ, e não só, na divulgação da literatura angolana no Brasil. “Quando um dia se revisitar a história de como a nossa literatura foi sendo conhecida neste país, teremos uma maior percepção do esforço e generosidade dos professores que começaram a espalhar a semente pelo Brasil”, disse Pepetela, fazendo uma especial referência aos professores já falecidos Maria Aparecida Santili e Fernando Mourão da Universidade de São Paulo, que inauguraram os estudos da literatura angolana naquele país.
Pepetela estendeu a sua homenagem a todos os professores universitários brasileiros que com “abnegação e esforço” se entregam “com carinho a uma tarefa que hoje podemos designar como hercúlea, muitas vezes com pouco reconhecimento e apoio insuficiente” de instituições brasileiras, “mas sobretudo das angolanas, que se deveriam importar mais pelo papel de divulgação das letras e cultura nacionais”.
De acordo com Pepetela, neste momento é a Academia Brasileira, que mais estuda a literatura angolana, a ter em conta marcadores como a quantidade de pós-graduações neste domínio e no número de comunicações feitas em encontros e congressos.
Pepetela realçou também o papel do imaginário e da cultura em geral na emancipação identitária de um povo, formada por elementos de proveniência diferente, como é o caso do Brasil. Mas para explicar o escritor recuou para a Grécia no seu período clássico, onde “um papel fundamental era atribuído pelos próprios à Literatura, quer escrita e declamada quer teatralizada, como forma de aproximar o que estava afastado ou pelo menos se julgava comportar como estranho. Pouco importava qual era a cidade natal de um grego. Ele se reconhecia na Illíada e na Odisseia, os textos literários considerados primordiais e mais importantes dessa cultura, em particular da mitologia que alimentava a identidade grega como cimento poderoso”.
Por último, o escritor destacou o papel dos jornalistas e dos jornais na emergência de uma literatura angolana, mencionando particularmente Joaquim Cordeiro da Mata, bem como, posteriormente, António de Assis Júnior.
Pepetela, autor de 28 livros, fez-se acompanhar na cerimónia pela esposa e a neta. A cerimónia foi presidida pelo Reitor em exercício da UFRJ Carlos Leão Rocha. Dentre as autoridades presentes, destaque para o embaixador de Angola Florêncio Mariano Almeida, bem como os cônsules de Cabo-Verde, Portugal e Bélgica. Presenças igualmente notadas foram a do recém-distinguido com o Prémio Camões de Literatura, o brasileiro Silviano Santiago, e do académico e escritor angolano Jonuel Gonçalves. Outra presença igualmente notada, mas de forma virtual, foi a do escritor Manuel Rui.