Inconstitucionalidades e ilegalidades de comissões internacionais para contagem de votos

ByTribuna

28 de Agosto, 2022

O líder da oposição propôs a criação de uma comissão internacional para a contagem dos votos das recentes eleições.

Não vamos discutir a parte política desta proposta, mas simplesmente explicitar as razões constitucionais e legais que impedem a criação e existência desta comissão internacional.

As razões são bastante óbvias e não vale a pena inventar ou torcer a Constituição.

Qualquer estado, e Angola não é excepção, assenta a sua existência em duas premissas essenciais: independência e soberania. A Constituição abre com o artigo 1.º cujas palavras iniciais são: “Angola é uma República soberana e independente”.

Por sua vez, o artigo 3.º define que a “soberania, una e indivisível, pertence ao povo, que a exerce através do sufrágio universal, livre, igual, directo, secreto e periódico, do referendo e das demais formas estabelecidas pela Constituição, nomeadamente para a escolha dos seus representantes”.

E o artigo 4.º explicita que o: “poder político é exercido por quem obtenha legitimidade mediante processo eleitoral livre e democraticamente exercido, nos termos da Constituição e da lei.” Concretizando no seu número dois que são proibidas a tomada e o exercício do poder político por formas não previstas nem conformes com a Constituição.

Isto quer dizer o seguinte: um país é soberano e essa soberania é exercida de acordo com a Constituição, estando proibidas intervenções não previstas na Constituição. É facilmente entendível que o voto é a expressão máxima da soberania, logo para se aferir e contar votos não se podem inventar novas regras ad hoc (isto quer dizer, para o efeito concreto) nem arranjar atalhos.

Tudo tem de se passar no âmbito da independência e soberania nacionais nos termos constitucionais e legais, pois a contagem de votos é um elemento fundamental dessa soberania e independência.

Portanto, temos o princípio da soberania que impõe a legalidade típica nas votações. A interferência externa abalaria a soberania e independência nacionais, além de colocar Angola debaixo do perigo de voltar a ser uma colónia.

Primeiro, vinham os estrangeiros contar os votos, depois vinham os estrangeiros empossar os eleitos, depois chegavam os estrangeiros para controlar o petróleo e as finanças e, de repente, o país estava dominado por estrangeiros. Sempre que um partido angolano não concordasse com outro chamava estrangeiros e o país tornava-se o palco de lutas de mercenários. Não pode ser. Angola não pode voltar a ser colónia. É dentro do país e com as suas instituições que os problemas têm de ser resolvidos.

Ainda na Constituição, o processo eleitoral é estabelecido pelo artigo 107.º que diz:” Os processos eleitorais são organizados por Órgãos da Administração Eleitoral Independentes, cujos princípios, mandato, estrutura, composição, funcionamento, atribuições e competências são definidos por lei.”

Portanto, temos a remissão para a administração interna de Angola e não para nenhum ser extra-territorial.

Como a Constituição remete para a lei, é fácil verificar o que lá diz sobre a contagem de votos.

 Veja-se a Lei Orgânica das Eleições Gerais. Nos seus artigos 116.º e seguintes. Segundo o princípio da tipicidade do acesso ao poder político estabelecido pelo artigo 4.º, n.º 2 da Constituição, é só por aqui e por nenhuma outra forma que pode ser feita a contagem de votos. Refiram-se em especial os artigos 121.º sobre a contagem de votos, 134.º sobre apuramentos nacionais e ainda 136.º, 138.º. Depois, os artigos 153.º e seguintes referem como reagir em caso de discordância com os resultados, é o chamado contencioso eleitoral. A reacção mais importante diz respeito ao Tribunal Constitucional.

Isto tudo quer dizer que deriva directamente do princípio da soberania nacional que a contagem de votos se deva processar apenas da maneira prevista na Constituição e na Lei e de nenhuma outra forma, se tal acontecesse seria sempre inconstitucional.

Assim sendo, não é possível criar qualquer comissão internacional para contar votos ou apurar resultados eleitorais. Qualquer resultado que daí saísse violaria a Constituição e a soberania nacional.