As vacinas contra o coronavírus foram desenvolvidas e implantadas em tempo recorde, mas à medida que a distribuição global progrediu, pouquíssimas doses foram disponibilizadas no continente africano e na generalidade dos países pobres. É uma realidade assaz angustiante de que, quando se trata de doenças infecciosas, os mais pobres costumam ficar para trás.
Este é um problema que sempre existiu, mas que a covid-19, vem-nos lembrar mais uma vez. Em África, por exemplo, a malária provavelmente causou quatro vezes mais mortes que a Covid-19 no ano passado. Felizmente, surge uma nova esperança. Uma vacina eficaz contra a malária pode estar mais perto do que nunca.
Pela primeira vez, uma vacina demonstrou alta eficácia em testes – prevenindo a doença em 77% das vezes entre aqueles que a receberam. Esta é uma conquista histórica. A meta de eficácia da Organização Mundial de Saúde (OMS) para vacinas contra a malária é superior a 75%. Até agora, esse nível nunca foi atingido.
A velocidade e o sucesso do desenvolvimento de vacinas COVID-19 mostram o que é possível e deve ser uma inspiração para terminar, licenciar e distribuir esta vacina contra a malária. É importante não apenas por causa da ameaça que a malária representa, mas também porque investir em vacinas pode ajudar a preparar-nos para a próxima pandemia. O trabalho nesta vacina ajudou também a acelerar o desenvolvimento da vacina da Oxford para a COVID-19.
A OMS estima que houve 229 milhões de casos de malária em 2019. Globalmente, o número anual de mortes por malária é superior a 400.000, sem melhorias nos últimos cinco anos. Dois terços destas mortes ocorrem entre crianças africanas com menos de cinco anos de idade. No caso de Angola, nos primeiros três meses do ano, o país registou 2.884 mortes por malária.
Milhares de milhões de dólares são gastos anualmente em mosquiteiros, pulverização de inseticidas e medicamentos antimaláricos apenas para manter a taxa de mortalidade como está. Novas tecnologias são necessárias, especialmente porque a OMS tem como meta uma redução de 90% nas mortes até 2030.
Nenhuma vacina contra a malária foi ainda autorizada para uso, embora a ideia de controlar a malária pela vacinação já exista há muito tempo. O primeiro relatório científico veio de Argel, em 1910. Os ensaios clínicos começaram na década quarenta, e, hoje, mais de 140 vacinas candidatas à malária foram testadas em humanos.
Mas nenhuma progrediu para aprovação e implantação. O parasita da malária é complexo, com mais de 5.000 genes, o que significa que tem muitas características diferentes para os projectistas de vacinas escolherem como alvo.
Contudo, o progresso no desenvolvimento de vacinas contra a malária está ganhar ritmo conforme é demonstrado num novo relatório de um grupo multinacional de pesquisadores, A equipa do Professor Halidou Tinto, com sede em Ouagadougou, Burkina Faso, estudou a nova vacina contra a malária R21 em 450 crianças – a população-chave onde uma vacina é mais urgente. Eles descobriram que é seguro e tem eficácia sem precedentes em pessoas com idade entre 5 e 17 meses.
Neste ensaio controlado, 105 das 147 crianças que receberam um placebo contraíram malária. Mas dos 292 que receberam uma dose da vacina, apenas 81 contraíram a doença – ultrapassando a meta de proteção de 75% da OMS. Um ensaio de fase 3 – para testar a segurança e eficácia da vacina em um número muito maior de pessoas – terá início em quatro países africanos, com o objectivo de aprovações aceleradas se for bem-sucedido.
Cientistas dos quatro continentes contribuíram para a concepção e teste desta vacina promissora. A concepção e o desenvolvimento inicial ocorreu no Instituto Jenner da Universidade de Oxford, onde os ensaios clínicos de vacinas contra a malária têm sido realizados desde 1999. Estudos de “provocação” em Oxford, Southampton e Londres, onde voluntários são deliberadamente infectados com malária por picadas de mosquito para testar a eficácia da vacina, destacaram o potencial da vacina R21. Um componente auxiliar para a vacina é necessário e fornecido pela Novavax, uma empresa de biotecnologia dos Estados Unidos e Suécia.
A fabricação da vacina está em andamento no maior fornecedor mundial de vacinas, o Serum Institute of India. O financiamento também será necessário para a implantação da vacina contra a malária, mas com a capacidade de fabricação em larga escala de baixo custo disponível na Índia, uma vacina barata e amplamente acessível pode ser alcançada. No entanto, como a Covid-19 está a aumentar em várias regiões de África, isso poderia impactar os ensaios de fase 3 da vacina R21 que estão a começar no Mali, Burkina Faso, Tanzânia e Quénia.
O Reino Unido tem sido um suporte fundamental na pesquisa de saúde global, contudo o financiamento foi duramente atingido pela redução no orçamento de ajuda externa. Por outro lado, a Covid-19 destacou a importância de manter a capacidade de pesquisa e desenvolvimento de vacinas, bem como a viabilidade de avançar mais rapidamente do que nunca para a aprovação e fornecimento de vacinas.