África: “Dança com lobos” neocoloniais!

ByMartinho Júnior

25 de Janeiro, 2022

01- A “primavera árabe” na Líbia foi o início da injecção da jihad islâmica em África, facto que na altura alertámos no Página Global, acompanhando a quente e em tempo oportuno os acontecimentos, prevendo que a partir daí todo o Sahel seria severamente afectado, com telúricas repercussões por todo o continente.

São muitos os exemplos desse alerta-fundamento pelo que me abstenho de aqui colocar seus links.

Em relação a esse golpe aplicado com forças militares externas suportadas por bases de intervenção instaladas na França, na Itália e nos navios da 6ª Frota da US Navy estacionada no Mediterrâneo, poucos foram os países que ousaram em nome da democracia denunciar e nenhum, por falta de capacidades próprias e em função da surpresa, ousou combater de armas na mão ao lado dum Kadafi que, de tão abandonado que foi, acabou por morrer assassinado para gáudio dos intervencionistas do “hegemon”, com a “falcoa” Hillary Clinton à cabeça!

O “hegemon” apoiou assim, deliberadamente, a sua mais diabólica criatura de que se servia tacitamente, também em nome da “democracia representativa”!

Um a um os países do Sahel tornaram-se desde então frutos amargos da injecção de caos, terrorismo e desagregação aplicada desse modo e por essa via a África, em função da remoção do tampão que havia constituído a Jamairiya Líbia!

Por raquitismo das denúncias efectivamente democráticas (entre as condenações sobressaíram as da Venezuela Bolivariana pela voz do Comandante Hugo Chaves e da África do Sul), nada mais perverso e cínico: a Líbia foi alvo dum golpe de estado sangrento com a decisiva participação de forças externas ao nível de alguns países da NATO, que por seu turno nos mídia de amplo espectro e difusão global sob sua tutela, enquanto catapultavam o jihadismo, propagandearam-no em nome da “democracia” e do “direito para intervir”, tal como Ronald Reagan considerou Savimbi (“freedom fighter”), nas metamorfoses que são a sua obra de arte fonte barbaridade e de sangue!…

Essa afectação justificou também e desde logo o esforço militar da FrançAfrique conjugado com o Comando África do Pentágono com a distensão de forças ao longo do paralelo que vai do Senegal a Djibouti, prevista em função do “êxito” na Líbia desde que se distendesse a jihad, conforme aliás imediatamente aconteceu em 2012 com sintomas agudos imediatamente no Mali!…

Quer no Senegal, quer no Djibouti, a França possui bases militares desde os tempos coloniais, autênticas “testas-de-ponte” de longa duração, que permitem desencadear qualquer rápida intervenção Sahel adentro sempre que julgado necessário e segundo o prevalecente princípio colonial-neocolonial de que, década a década, “mais vale prevenir do que remediar” …

A meia-distância, entre o Atlântico e o Mar Vermelho, está o Níger onde além das forças da Operação Barkana da FrançAfrique, estacionaram os meios militares de rastreio do AFRICOM que desde logo é um dos principais centros de drones dos Estados Unidos em África!

Tacitamente a expansão jihadista passou a justificar essa pujança militar extra continental, numa ossatura que permite a afirmação neocolonial no seu mais requintado e habilidoso módulo, incidindo sobretudo ali onde a extracção de matérias-primas a baixo preço é essencial para a “civilização ocidental”, como o caso flagrante do urânio do Níger e dos interesses da Areva naquele país âmago da FrançAfrique, por sinal sintomaticamente na cauda dos Relatórios Anuais dos Índices de Desenvolvimento da ONU!

O Mali foi dos primeiros componentes do Sahel a sentir os efeitos do desastre da Líbia e a partir daí as crises foram-se entrelaçando, alastrando até ao Lago Chade pelo Oeste, aos Grandes Lagos pelo centro e a Moçambique pelo leste do continente!

África desamparada e vulnerabilizada está ainda atordoada e confusa sobre como dar a volta a esta situação que se tornou cancro-crónico e é raiz da perversa onda neocolonial tacitamente conjugada pela expansão do jihadismo financiado a partir de nexos das monarquias arábicas que no Médio Oriente Alargado têm feito parte da “Coligação” contra a Síria, a Líbia, o Iraque, o Iémen e o Irão, obedientes à doutrina Rumsfeld/Cebrowski!…

02- No Mali irromperam simultaneamente duas forças em 2011/2012: os tuaregues que eram aliados de Kadafi (que compunham algumas unidades militares das forças líbias) e os jihadistas que pululavam pelo Sahara e pelo Sahel, que só na Argélia haviam sido neutralizados com relativo êxito.

O norte do Mali foi tomado por essas forças que proclamaram um novo país, o Azawad, resultante da desagregação… os nómadas a norte e os sedentários do vale do Níger a sul… um quadro de desagregação por completo num ambiente entre a água do rio e o fogo do deserto do Sahara!

Como as Forças Armadas do Mali eram subsidiárias no quadro da FrançAfrique e mantidas por essa razão com uma capacidade quase ao nível duma milícia, não tinham aptidão para, por si próprias, fazer face a uma crise dessa natureza, pelo que imediatamente a França desencadeou a Operação Serval (de 11 de Janeiro de 2013 a 15 de Julho de 2014), sucedida pela Operação Barkane (desde 1 de Agosto de 2014, até nossos dias, alastrando as acções pelos países afectados pela jihad islâmica no Sahel e no Sahel para sul), enquanto garantiam que as elites no poder em Bamako como nas outras capitais “francofones” do Sahel fossem sempre suas subserviências de emanação neocolonial!

Foi por esse modo fácil fazer aceitar a Operação Serval e reforçá-la com aptidões de diversas partes do mundo, desde a Suécia, à Dinamarca, à Alemanha, ao Canadá e aos Estados Unidos, até logicamente aos países africanos vizinhos do Sahel sob o rótulo duma “benigna partnership”.

Entretanto os tuaregues integrados no Movimento Nacional para a Libertação do Azawad (MNLA) em Agosto de 2012 entraram em ruptura com os jihadistas do Ansar Dine e do Movimento Unitário da Jihad da África do Oeste (MOJWA na sua sigla em inglês), o que possibilitou a Operação Serval numa intervenção por todo o norte do Mali, “reconquistando” cidade a cidade no meio dum aparente nada!

Depois da intervenção, com o fim da Operação Serval e uma vez que a ameaça islâmica não foi reduzida, as forças francesas tornaram-se numa laboriosa força de ocupação mobilizando mais de 5.000 efectivos por via da Operação Barkane, estendendo a acção a todo o Sahel até aos nossos dias, no âmbito duma autenticamente neocolonial via, mascarada de “partnership” que desse modo estimula uma irremediável longevidade.

Os nexos tácitos entre forças desse “partnership” por contraposição ao jihadismo, está garantido sem fim, numa situação neocolonial pantanosa e sem melhores horizontes senão fazer jorrar dessa fonte cada vez mais sangue, algo denunciado agora pelos coronéis rebeldes das Forças Armadas do Mali que levaram a cabo o recente golpe de estado.

A entrada na liça do “irmão muçulmano” turco, membro da NATO e concorrente da FrançAfrique, confere elasticidade e ambivalência a essa insolúvel plasticidade neocolonial de que África se arrisca na pista das suas tão formatadas “democracias representativas” que estão a ser digeridas pelo estômago dos expedientes de domínio do “hegemon”, numa voragem com um rodopio de velocidade e geometria variável ao jeito dum AFRICOM inteligente, que além dos nexos militares, integra nessa contingência os nexos civis duma USAID, ou duma National Endowment for Democracy, entre outras mais iniciativas!…

03- A revolta das elites militares dos países do Sahel atraídos pela Operação Barkane e submissas ao “pré carré” neocolonial da “FrançAfrique” subsidiária do AFRICOM, torna-se assim legítima, pois de contradição em contradição, África sente que se está a chegar à única saída possível, a da via de luta armada em completa ruptura contra o neocolonialismo imposto com esses múltiplos venenos!

Romper com o jihadismo de inspiração sunita/wahabita, simultaneamente romper com a FrançAfrique, com a ambivalência turca e sobretudo com o AFRICOM que superintende todo esse polvo com cada vez mais braços neocoloniais, é legítimo para uma África asfixiada pelo ambiente inculcado desde que o capitalismo neoliberal se tornou no expediente dominante do “hegemon” por obra e graça da aliança entre a administração republicana de Ronald Reagan e o governo da 1ª Ministra Britânica, Margareth Thatcher no início dos anos 90 do século passado!

Os tentáculos disseminados pelos sucessivos governos de Israel em África por seu turno, movem-se de modo inteligente numa conjuntura neocolonial como essa e espreitam as suas próprias brechas procurando vencer o isolamento causado pela catástrofe de sua contínua acção estilhaçando a Palestina e tornando impraticável um governo palestino num território tão deliberadamente estilhaçado!

A intervenção de Israel em socorro da administração republicana de George W. Bush quando jogou com guerra e paz no sector energético (doutrina Rumsfeld/Cebrowshi desde logo para o Médio Oriente Alargado com invasões sucessivas do Afeganistão à Líbia e a criação dum inteligentemente filtrado AFRICOM para África, com a manobra de “cenoura” dum “petróleo para o desenvolvimento” no Golfo da Guiné), foi exposta desde logo por via do versátil “think tank” que dá pelo nome de “Institute for Advanced Strategic and Political Studies”, IASPS (com sede em Jerusalém e Washington), segundo seu programa AOPIG, “Africa Oil Policy Innitiative Group” !

Essa “iniciativa” tipicamente de ingerência misto militar e “soft power”, esteve na base da própria gestação do carácter do AFRICOM, gerando os organismos internos que lhe dão corpo e do seu posicionamento acima dos tentáculos do polvo transbordante de ingerências e de manipulações que em África é profunda manobra neocolonial!

Essa sofisticada expressão do “hegemon” tem sido de tal modo avassaladora que o Reino de Marrocos, à ilharga noroeste do Sahel, se tornou potência colonizadora do Sahara, apesar de contínuas condenações de geometria variável no âmbito internacional e por isso está praticamente imune ao jihadismo, tornando-se num dos dois guardiões da entrada ocidental dum Mediterrâneo tornado “mare nostrum”!…

O Reino de Marrocos serviu e serve também para subverter e confundir os termos da própria União Africana!

As alianças de carácter neofascista ou mesmo neonazis que animam as expressões neocoloniais que integram as vassalas elites africanas (ainda que envoltas no celofane da “democracia representativa”), provêm dessa imensa manobra conceituada desde logo pela doutrina Rumsfeld/Cebrowski, que está determinada na implantação de caos, de terrorismo e de desagregação, que em África se passou também a esbater desde o golpe de 2011 contra a Jamairiya Líbia!

Em África é como se houvesse uma segunda Conferência de Berlim, não declarada, mas eficazmente velada, agora sem fronteiras, fluida de caos, de terrorismo e de desagregação e num espectro cada vez mais disseminado por todo o continente africano, onde nem as malparidas “democracias representativas” podem alguma vez constituir trincheira firme de resistência, muito pelo contrário!

A norte do continente só a Argélia nascida da saga da Luta de Libertação em África está a conseguir resistir e por isso está a tornar-se no apoio inspirador à causa da República Árabe Saharaoui Democrática e agora aos coronéis do Mali que estão, após o golpe militar, a denunciar a FrançAfrique e a apelar à Federação Russa para poder responder à jihad!

A Federação Russa está a corresponder ao que parece com a subtil utilização dum Grupo Wagner de circunspecta intervenção no continente africano, de forma a não expor por completo o poder em Moscovo e em Pequim, “ementa” que a diplomacia tece, inaugurada em África de há muito desde os mercenários de Tschombe e de Mobutu no Congo!

Enquanto a vassalagem, quase em uníssono, fecha as fronteiras do Mali isolando esse país interior num momento em que as tropas da Operação Barkane têm de abandoná-lo, a exposição da fonte de sangue que é a FrançAfrique inspira por seu turno outras mais convulsões, como está a acontecer na pátria de Thomas Sankara, o Burkina Fasso, ainda que com contornos por definir!

A norte da linha do Equador vão-se sucedendo inexoravelmente golpes militares, por que a tentativa de ruptura contra o neocolonialismo começa a ser inevitável!

Uma certeza: todos os nós de carácter capitalista neoliberal que em África condenarem o golpe de ruptura contra o neocolonialismo no Mali, são intrinsecamente parte do problema e jamais da solução!