Leio nas redes sociais lições segundo as quais, para a consolidação da reconciliação nacional, o Presidente da República tinha de convidar o líder da UNITA, porque a paz foi feita com esta organização. Ou seja, a paz foi feita entre a UNITA e o Governo. Este insulto à nossa memória seria tolerado se viesse dos imberbes das ruas das cidades, que desprovidos da memória histórica, abraçam o algoz dos seus avôs, a serpente em forma de cordeiro.
Nós que temos memória, não conseguimos perceber nem digerir o alcance das palavras de Adalberto Costa Júnior, o pai do conceito “paz democrática”, nem da dos seus apoiantes que forçam um tapete vermelho no Palácio para o seu ídolo.
Vou tentar refrescar a memória desses seguidores do mentiroso compulsivo, entre os quais imberbes e velhos com amnésia do tempo.
1. A paz não foi negociada entre a UNITA belicista e o Governo. A UNITA belicista capitulou. Perdeu a guerra com a morte do seu Chefe, o sanguinário Jonas Savimbi, que violou todos os acordos e preferiu morrer em combate diante de três cenários: captura, rendição ou morte em combate.
2. Com o velho Jonas, quem tentasse negociar a paz com sinceridade e assinasse os acordos, via a sua e a vida dos seus familiares em risco. Eugénio Manuvakola ainda está nas hostes de Adalberto e lá no Sovismo pode falar da sua odisseia por assinar o acordo de Lusaka a 20 de Novembro de 1994. Manuvakola deve a vida ao Governo, ao MPLA, este mesmo MPLA que os ingratos diabolizam. Este mesmo MPLA que não perseguiu os quadros seniores da UNITA que ficaram na cidade, no Parlamento, no Governo de Unidade e Reconciliação Nacional enquanto Savimbi e sua matilha continuavam a fazer a guerra mais sangrenta nas matas para alcançar o poder.
3. Os verdadeiros caminhos da paz foram desenhados com a UNITA Renovada, então liderada por Eugénio Manuvakola, Jorge Valentim e Demóstenes Chilingutila, que se demarcaram dos ideais savimbistas que, mesmo com os representantes no GURN, no Parlamento e nas Forças Armadas, enveredou por combater o aparelho do poder político, pondo a sobrevivência deste em risco. Manuvakola, Valentim e Chilingutila, traídos por Savimbi mas confiantes no espírito reconciliador do Governo do MPLA, decidiram criar a UNITA Renovada, tornando-a na verdadeira interlocutora para o alcance da paz.
4. Onde se encontravam os actuais barões da UNITA? Uns estavam na Europa a negociar a venda de diamantes de sangue para comprar armas convencionais e transformar Angola no maior inferno na terra, enquanto outros cerravam fileiras ao lado de Savimbi que só queria omango e não ombebwa: “vocês precisam de poder, vocês não precisam de paz”, como o declarou no seu último congresso realizado em 2001 no interior de Angola.
5. Savimbi e os seus sequazes nunca quiseram a paz enquanto não tivessem o poder. A sua participação em negociações sempre visava a recuperação de vantagens em combate. Só aceitava negociar quando perdesse vantagens estratégicas no teatro dos combates.
6. A UNITA belicista, bem encarnada por Adalberto Costa Júnior (ai de nós se tivesse exército), não negociou a paz. A paz foi-lhe imposta, porque perdera literalmente a guerra nas margens do Lucussi, com a morte do seu chefe. Não fosse a bondade do MPLA e do então seu líder, José Eduardo dos Santos, esta UNITA, hoje assanhada, arrogante e ingrata, teria desaparecido nas matas e o processo de paz continuaria com a UNITA Renovada, que foi a ponte psicológica e humanitária para a vinda dos maninhos que desistiam da crueldade do sanguinário e daqueles fiéis ao guerreiro que, forçados a abandonar as matas, chegaram à cidade como esqueletos andantes. Que o digam os generais Gato e Kamorteiro.
7. A UNITA belicista, um bando de terroristas condenados por mais de 12 resoluções das Nações Unidas, União Africana e outras organizações internacionais, não tinha capacidade de negociar em pé de igualdade com o Governo, nem do ponto de vista da legalidade nem do ponto de vista da moral. Tratava-se de indivíduos com mãos cheias de sangue e que, caso o Governo de então quisesse, poderiam, no mínimo, ser encaminhados para o Tribunal de Haia e outros terminariam mortos de fome nas matas ou nas prisões internas, sem necessidade de qualquer justificação à comunidade internacional. Tratava-se de invasores, de terroristas, ao nível dos que destruíram as Torres Gêmeas nos Estados Unidos, a 11 de Setembro de 2001. Sim, a UNITA belicista era um punhado de bandidos que mereciam ser deixados nas matas e morrerem de fome ou entregues à população para serem linchados, pagando por todos os males que causaram às famílias angolanas.
8. Os acordos de paz assinados no Luena e formalizados na Assembleia Nacional, a 4 de Abril de 2002, foram o eufemismo de um tratado de capitulação dos assassinos que passaram a ser integrados na vida normal, sem estigma nem mais associados ao passado da Guerra. Era a magnanimidade do MPLA e do seu líder que sempre trataram a reconciliação nacional como um projecto de subsistência do Estado angolano, projecto este que a UNITA belicista destratou, sabotou e massacrou, ao combater contra instituições democráticas, entre elas o Governo de Unidade e Reconciliação Nacional.
9. A UNITA belicista, cujos sobreviventes hoje invocam o projecto de reconciliação nacional quando estão em apuros, vitimizando-se, sempre procurou dividir os angolanos, em Norte e Sul, que o diga Raul Danda, Tony da Costa Fernandes e Nzau Puna! A UNITA belicista, que concebeu e implementou o projecto de somalizar Angola, nunca quis reconciliação nacional. O seu projecto era o poder, o poder, o poder, o poder…eliminando tudo o que respirasse e ameaçasse o seu interesse primacial (o poder). Era preciso eliminar tudo o que respirasse, dizia Elias Salupeto Pena, de quem Adalberto Costa Júnior terá herdado o radicalismo.
10. No almoço da paz, se o Presidente João Lourenço quisesse ser mais rigoroso, do lado da UNITA, só estariam os verdadeiros negociadores de Bicesse e de Lusaka, que arriscaram as suas vidas para desenhar as linhas da paz e reconciliação nacional e os militares que, reconhecendo a sua derrota, não hesitaram em colaborar com o Governo na construção de uma Angola reconciliada.
11. Sim, uma Angola reconciliada como a que temos hoje, onde os antigos bandidos têm palco para apresentar os seus argumentos e realizar manifestações. Sim, uma Angola reconciliada, onde os antigos bandidos vivem e dormem sonos tranquilos, protegidos pela Polícia que eles continuam a diabolizar. Sim, uma Angola reconciliada, onde os antigos sanguinários e seus seguidores maltratam o MPLA e os protagonistas da UNITA Renovada que uma vez lhes estendeu a mão para se inserirem na urbanidade. Sim, uma Angola reconciliada onde o antigo assassino é aclamado em aldeias, vilas e povoações mesmo depois de lá ter semeado dor, choros, luto e miséria atroz. Uma Angola reconciliada onde o antigo destruidor dá aula de administração e chama bandido a quem o resgatou da cintura da morte e o perdoou de todos os males causados ao país e aos angolanos.
12. O país está reconciliado, senhores mentirosos compulsivos. Graças a isso, vocês têm voz e podem disputar o poder nas urnas… não nos exijam engolir sapos. Nós temos memória: vocês nunca aceitaram um banquete que visasse a paz e reconciliação nacional sem que a moeda de troca fosse o poder político, em vossas mãos.
13. Vocês que falam em paz democrática, quando este povo clamava pela paz, a verdadeira paz, encontravam-se em Pretória, em Roma, em Lisboa, em Paris, em Londres e em Nova Iorque a negociar armas biológicas para reduzir o país a cinzas. O almoço da paz não é para vocês que, inconformados com o não alcance do poder, incitam o ódio, promovem manifestações e invasões a instituições para causar o caos e o terror num país que, cada vez mais, se reencontra e enterra os seus fantasmas.
14. Sim, senhores, sabemos nós que a vossa matriz não é a paz nem a reconciliação nacional. A vossa matriz é o poder ainda que, para isso, se volte aos bosques e às montanhas da Jamba. Vocês não percebem a linguagem da paz, nem muito menos conhecem o código da reconciliação nacional que já é um facto inquestionável.
Emanuel Kadiango