O Brexit (saída do Reino Unido da União Europeia) acaba de se concretizar. Uma questão que naturalmente se levanta é: para onde Boris Johnson e seu governo se devem voltar nesta fase de relações frias com o continente europeu?
A ponte com o seu eterno aliado, os Estados Unidos da América, já foi lançada. Boris Johnson, o Primeiro-Ministro, já “piscou” o olho ao novo Presidente, Joe Biden, e aparentemente, não hesita em ser um “ponta de lança” nas relações transatlânticas, tal como aconteceu na era Trump. Mas a verdade, é que os Estados Unidos têm outras prioridades e a “relação especial” alegada pelos britânicos em relação aos americanos é algo de sentido único, sem grande relevância no desenho da política externa de Washington. As relações anglo-europeias sempre tiveram altos e baixos, e com o tempo, possivelmente, voltarão a normalizar. Contudo, neste momento estão encapeladas e não oferecem segurança.
Assim, é evidente que o Reino Unido necessita de amigos e parceiros fiáveis fora da Europa neste período. Boris Johnson sabe disso, e por isso não foi surpresa, quando referiu que o Reino Unido deveria ser o parceiro preferido de investimento no continente Africano. Recentemente, na Conferência de Investimento Reino Unido – África, considerou que “na Grã-Bretanha, temos muito a aprender com a engenhosidade, energia e ambição do empreendedorismo africano, bem como da criação de riqueza”.
Todos os sectores de negócio do Reino Unido podem tomar partido de laços mais estreitos com África. Um dos sectores importantes poderá ser a fintech (tecnologia financeira). Nunca é de mais lembrar que metade das 10 principais economias em crescimento do mundo situam-se em África e a tecnologia digital está a crescer vertiginosamente no continente.
No caso de Angola, segundo dados do Ministério das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social, o país tem em rede cerca de 7 milhões de utilizadores de internet e aproxima-se dos 15 milhões de utentes de telefonia móvel, números que ainda podem e devem melhorar, mas que não são de desconsiderar. O mercado angolano está em franco crescimento e tem priorizado os dispositivos móveis. Tal como já o faz na Nigéria, a maior economia de África, o Reino Unido pode explorar também o enorme potencial de Angola neste campo.
Aliás, atente-se por exemplo às empresas que se dedicam à transferência digital de dinheiro como a Azimo que já lida com biliões de dólares em pagamentos a destinatários africanos de trabalhadores migrantes no Reino Unido. Estes pagamentos são cruciais para as economias em desenvolvimento, especialmente neste período de crise derivado à pandemia do covid-19. Estas formas de pagamento, podem estimular novos mercados para outros serviços financeiros e proporcionar às pessoas o acesso a ferramentas muito úteis para vários tipos de investimentos, como por exemplo contas poupança, empréstimos comerciais, pensões ou algo relacionado com a área de seguros.
Mas, podem não ser apenas as empresas britânicas a beneficiar. Tome-se como exemplo a M-Pesa do Quénia. Esta empresa é considerada um modelo notável de inovação tecnológica e em questões ligadas a pagamentos móveis estão muito à frente de suas congéneres europeias. Assim, as empresas britânicas podiam tomar partido do know-how adicional e aproveitarem-se dessa vantagem técnica.
Além disso, embora saibamos que a Ásia, particularmente a China, está a ser o principal catalisador do desenvolvimento de África, designadamente no plano comercial, o Reino Unido apresenta algumas vantagens competitivas relativamente aos países asiáticos.
Em primeiro lugar, goza do privilégio de ter um fuso horário comum. Grande parte do continente africano tem um horário de negociação semelhante ao do Reino Unido, tornando desta forma, a cooperação e comércio muito mais espontâneo e descomplicado.
O segundo aspecto é a própria língua. O Reino Unido foi o maior Império Mundial, tendo-se repercutido isso também em África. O inglês é a língua mais falada no continente, com cerca de 700 milhões de falantes não nativos. Obviamente, que em Angola não se fala inglês, mas existe uma forte capacidade de adaptação linguística, os falantes de português têm geralmente facilidade em falar outras línguas.
Por último, observa-se uma crescente diáspora africana no Reino Unido, e naturalmente que esta vai aprofundando os laços culturais. Mais de 1,5 milhões de africanos vivem em terras de sua majestade, e como seria de esperar, muitos enviam dinheiro de volta para o seu país de origem. Com um país voltado para a engenhosidade e empreendedorismo, é de capital importância incentivar e investir nessas características do povo africano.
Caso Boris Johnson esteja realmente empenhado na promoção das relações comerciais com África, seria conveniente apoiar esta intenção com políticas de investimento pró-comércio. Caso contrário, desperdiçará uma óptima oportunidade de parceria com a região mais promissora do mundo.