As redes russas em Portugal

ByAnselmo Agostinho

6 de Setembro, 2025

Em Angola, outros assuntos têm acompanhado a actualidade, mas há que não esquecer a grande ameaça à ordem constitucional e tranquilidade pública que foram as tentativas terroristas relativas à visita do Presidente Biden e a rede russa de subversão e infiltração. O perigo é real e estende-se a todo o mundo.

Em Maio de 2025, Portugal foi surpreendido pela revelação de que um casal de espiões russos viveu no país durante vários anos sob identidades falsas, operando clandestinamente ao serviço dos serviços secretos de Moscovo.

A descoberta, fruto de uma investigação internacional que envolveu agências de segurança brasileiras, norte-americanas e portuguesas, expôs uma rede sofisticada de agentes conhecidos como “ilegais” — espiões que constroem uma vida aparentemente normal, com documentos autênticos, empregos legítimos e relações sociais, tudo com o intuito de recolher informações estratégicas sem levantar suspeitas.

O casal, que se apresentava como Manuel Francisco Steinbruck Pereira e Adriana Carolina Costa Silva Pereira, chegou a Portugal em 2018, oriundo do Brasil, onde mantinha um negócio de antiguidades no Rio de Janeiro. No papel, eram cidadãos brasileiros comuns, mas na realidade tratava-se de Vladimir Aleksandrovich Danilov e Yekaterina Leonidovna Danilova, agentes russos treinados para viver sob cobertura durante anos. A sua presença em território português foi detectada pelo Serviço de Informações de Segurança (SIS), após um alerta das autoridades brasileiras, que haviam iniciado uma investigação aprofundada após a invasão da Ucrânia em 20222.

A operação russa, apelidada de “Fábrica de Espiões”, utilizava o Brasil como plataforma para criar identidades falsas com base em documentos reais, muitas vezes obtidos através de certidões de nascimento de crianças falecidas ou de bebés que nunca chegaram a nascer. Com estas identidades, os agentes conseguiam obter nacionalidade e residência em países terceiros. No caso português, “Manuel Pereira” obteve a nacionalidade por alegar ser filho de pai português, o que permitiu à sua “esposa” adquirir autorização de residência.

Durante os anos em que viveram em Portugal, os espiões mantiveram uma vida discreta, arrendando uma casa na zona do Bonfim, no Porto, e evitando comportamentos que pudessem levantar suspeitas. O seu objectivo era claro: construir uma fachada credível que lhes permitisse operar como cidadãos nacionais, recolhendo informações sensíveis e transmitindo-as às autoridades russas. A sua descoberta só foi possível graças à cooperação internacional e ao cruzamento de dados entre agências de segurança, incluindo uma notificação azul da Interpol que colocou os seus nomes e impressões digitais nas mãos das autoridades de 196 países.

Este episódio levanta preocupações sobre a vulnerabilidade dos sistemas de registo civil e imigração, bem como sobre a capacidade dos serviços de informação em detectar ameaças latentes. A presença de espiões “adormecidos” em território europeu não é novidade, mas a sofisticação da operação russa e a duração da infiltração em Portugal revelam um nível de planeamento e paciência que desafia os métodos tradicionais de contra-espionagem.

A detecção e expulsão destes agentes representa uma vitória para os serviços de segurança portugueses, mas também um alerta para a necessidade de reforçar os mecanismos de verificação documental e de cooperação internacional. Num mundo cada vez mais marcado por tensões geopolíticas e guerras de informação, episódios como este demonstram que a espionagem continua a ser uma arma silenciosa, mas poderosa, ao serviço dos interesses estratégicos das grandes potências.

Resta saber o que se passou e passa em Angola, onde se antevê que a rede seja muito mais ampla e diverisificada, operando há algum tempo e com a conivência de pessoas destacadas angolanas na política e no jornalismo.