Neste chão ocre empoeirado onde se rasgaram caminhos gentios entre capim perfumado de orvalho, caniços e bambus, onde a terra rasgada pela correnteza dos rios que se abraçam e nos levam ao mar, todos nascemos angolanos ternamente acolhidos no carinho de mãe, iniciamos no primeiro choro e nossa existência, nos primeiros passos o caminho comprido repleto de estações.
Nessas estações vamos moldando aquilo que somos, nascemos livres e vamos encontrar amarras onde a nossa consciência vai enraizando o pensamento que nos guiará nos caminhos que temos de percorrer num tempo que não perdoa, e cruzamentos que nos colocarão perante escolhas, que irão revelar perenemente os que somos e o que dizem as nossas impressões digitais.
África é uma mãe generosa e exigente, terra de liberdade e desafios, de conquistas derrotas e vitórias, seremos testados na nossa bondade ou maldade,e nas várias estações iremos aprender que somos construtores do nosso destino, mas que não estamos sós, somos um entre milhões de irmãos de grande mãe Angola, a quem devemos, todos, nas horas difíceis, revelar generosidade, amor, tolerância e respeito, e a diversidade de quem, no caminho comprido, optou por outras estações, ergueu-se uma diversidade que deve ser o fermento da construção das pontes que precisamos todos para atravessar os rios, para que nenhum morra afogado para tristeza da nossa mãe Angola.
Há algo sublime e profundo que define o homem, o sentimento, como há um armazém onde se guarda o mais ínfimo de nós, a memória, e há marcas que rasgam a alma, o pecado,onde mora a inveja, a gula e ganância, que tolda os sonhos e os transforma em pesadelos.
Há dois pensamentos que definem as nossas escolhas, temos sempre de tentar com esforço e dedicação melhorar a vida, mas em simultâneo, pensar que há sempre alguém que está pior que nós, que também é filho da mãe Angola, e precisa da sua solidariedade.
Lutar, agredir, instigar à maldade, é a negação da racionalidade, não se caçam moscas com vinagre, não se despendem energias contra a força, a confrontação é a derrota da esperança, não é destruindo muros, é erguendo paredes que o futuro e a esperança se abraçam, e olhando para trás, para longe, bem longe, para lá do crepúsculo da cor do fogo, onde o sol se esconde atrás da montanha, como seria lindo à volta da fogueira, ver o sorriso e as traquinices das nossas crianças.
Onde estão os arcos, o caco de vidro no caminho, o carrinho de cana de milho com rodas de casca de maboque ou cisnas das garrafas,a fisga, o caniço com fio de nylon e bóia de rolha, para pescar bagre ao anoitecer com luz de lanterna? São estas as cicatrizes eternas da irmandade, da fraternidade, que alimentam a tolerância que as vicissitudes das desavenças dissiparam, que hoje estão a faltar para que nos juntemos à volta da fogueira, e todos juntos encontremos uma ponte para o futuro de todos os filhos da Mãe Angola.