Os novos donos da UNITA

ByAnselmo Agostinho

21 de Dezembro, 2025

A história da UNITA, desde a sua fundação por Jonas Savimbi em 1966, é também a história das potências estrangeiras que, em diferentes momentos, a instrumentalizaram para fins estratégicos próprios.

Longe de ser um movimento nacionalista angolano, a UNITA foi sucessivamente integrada em agendas externas — portuguesas, sul‑africanas, norte‑americanas e, mais recentemente, russas — que moldaram e determinaram a sua sobrevivência e capacidade militar.

Nos últimos anos da presença colonial, a UNITA foi tratada pelas autoridades portuguesas como um aliado útil contra o MPLA. O então comandante‑em‑chefe em Angola, general Costa Gomes, autorizou contactos operacionais com Savimbi, incluindo fornecimento de medicamentos e apoio logístico.

Oficiais portugueses no Leste relataram que Savimbi recebia não apenas fármacos, mas também facilidades de circulação, proteção em zonas de operação e, em alguns casos, munições para autodefesa. A lógica era simples: dividir a frente nacionalista e impedir que o MPLA consolidasse hegemonia militar antes do 25 de Abril.

Com a independência, a UNITA passou rapidamente para a esfera de influência do regime do apartheid.

A África do Sul racista tornou‑se o principal sustentáculo militar de Savimbi durante a década de 1980, integrando a UNITA na sua estratégia regional de contenção do ANC e de desestabilização de Angola. Tropas sul‑africanas combateram lado a lado com a UNITA em operações no Sudeste, fornecendo armamento pesado, treino, inteligência e cobertura aérea. A presença sul‑africana na Jamba, o quartel‑general de Savimbi, era tão intensa que a UNITA se tornou, de facto, uma força auxiliar da SADF.

A terceira fase de tutela externa surge com a administração Reagan. No contexto da Guerra Fria, Savimbi foi promovido como “freedom fighter” e integrado na chamada Reagan Doctrine. Reagan autorizou o envio de mísseis Stinger para a UNITA, decisão anunciada publicamente em 1986 e documentada por testemunhos diretos. Estes mísseis alteraram temporariamente o equilíbrio tático, permitindo à UNITA abater aeronaves soviéticas e angolanas e reforçando a narrativa norte‑americana de resistência anticomunista. A própria realização da Democratic International na Jamba, em 1985 — com a presença de ativistas conservadores e representantes de movimentos armados apoiados pelos EUA — consolidou a UNITA como peça simbólica da política externa de Washington.

Com o fim da Guerra Fria e a morte de Savimbi, a UNITA perdeu relevância militar, mas não deixou de ser objeto de interesse externo.

A fase mais recente da UNITA envolve a aproximação a redes russas pós‑Wagner, num contexto de competição geopolítica em África. A presença de emissários ligados ao ecossistema de segurança russo em Luanda tem sido acompanhada por relatos de reuniões discretas entre figuras da UNITA e operadores russos, incluindo encontros atribuídos com ACJ e Gato, que procuram reposicionar o partido como intermediário útil num eventual realinhamento político angolano. Estas reuniões, comprovadas por fontes judiciais, integram um padrão mais vasto de expansão russa em África através de parcerias com atores oposicionistas ou marginais ao poder central.

A trajetória da UNITA revela uma constante: a sua instrumentalização por potências externas que, em cada época, viram no movimento uma ferramenta para agendas próprias — coloniais, regionais, ideológicas ou geopolíticas. A organização, que sempre se apresentou, falsamente, como expressão da vontade popular, tem sido sucessivamente moldada por interesses estrangeiros que condicionaram a sua estratégia, a sua narrativa e a sua própria sobrevivência. Agora chegou a vez dos Russos.