A Actuação da Rússia em África, hoje

ByAnselmo Agostinho

31 de Agosto, 2025

A presença da Rússia no continente africano tem-se intensificado de forma notável nos últimos tempos.

A actuação russa em África assenta, em grande medida, na exploração das fragilidades institucionais de vários Estados africanos. Países como a República Centro-Africana, o Mali, o Sudão e a Líbia tornaram-se palcos privilegiados para a projecção do poder russo, muitas vezes através da presença de mercenários ligados ao ex- Grupo Wagner, uma organização paramilitar com ligações ao Kremlin. Estes operacionais não apenas garantem segurança a regimes vulneráveis, como também asseguram o acesso da Rússia a recursos naturais estratégicos, nomeadamente ouro, diamantes e urânio, em troca de apoio militar e político.

Paralelamente, Moscovo tem investido na construção de uma narrativa antiocidental, capitalizando o ressentimento histórico de muitos países africanos face ao colonialismo europeu e à ingerência das potências ocidentais. Através de campanhas de desinformação, apoio a líderes autoritários e promoção de uma imagem de parceiro “não intervencionista”, a Rússia procura posicionar-se como alternativa ao modelo liberal ocidental, oferecendo cooperação sem exigências democráticas.

A instabilidade política em África tem sido terreno fértil para a penetração russa, especialmente em contextos de golpes de Estado. A mudança de regime em África assente na instalação de governos “amigos” da Rússia, faz parte da estratégia de Moscovo.

Nos últimos anos, África tem assistido a uma sucessão de golpes de Estado, particularmente na região do Sahel, onde o descontentamento popular, a insegurança provocada por grupos jihadistas e o desgaste das relações com antigas potências coloniais criaram um terreno fértil para rupturas institucionais, que redundaram no apoio à Rússia por parte de novos governos africanos.

Em 2021, o Mali assistiu à deposição do Presidente Bah Ndaw pelo coronel Assimi Goita, que assumiu o poder sob promessas de eleições futuras. No mesmo ano, a Guiné-Conacri viu o Presidente Alpha Condé ser deposto e preso pelo coronel Mamady Doumbouya, que dissolveu a Constituição e assumiu o controlo do país. O golpe de Estado no Níger, ocorrido em Julho de 2023, é emblemático desta nova dinâmica. A deposição do Presidente Mohamed Bazoum pela guarda presidencial foi seguida por manifestações populares em Niamey, onde se viram bandeiras russas e palavras de ordem contra a França, antiga potência colonial.

Tal como no Mali e em Burkina Faso, o discurso dos militares justificou a tomada de poder com a alegada incapacidade do governo civil em combater o terrorismo islâmico e a corrupção, ao mesmo tempo que se denunciava a influência francesa na política interna.

A Rússia, através do Grupo Wagner — uma força paramilitar com ligações ao Kremlin — tem desempenhado um papel crescente nestes contextos.

No Mali, após os golpes de 2020 e 2021, os militares expulsaram as tropas francesas e estabeleceram acordos de cooperação com Wagner, que passou a fornecer treino militar e apoio logístico em troca de acesso a recursos naturais.

No Burkina Faso, o padrão repetiu-se: dois golpes em 2022 culminaram na expulsão das forças francesas e na aproximação a Moscovo, com bandeiras russas a serem exibidas em manifestações de apoio à junta.

Na República Centro-Africana, outro exemplo paradigmático, o Presidente Faustin-Archange Touadéra mantém-se no poder graças à protecção de Wagner, que se tornou a força dominante no país após a retirada das tropas francesas.

O mesmo se verifica na Líbia, onde o general Khalifa Haftar, líder de facto do leste do país, recebe apoio russo para consolidar o seu controlo territorial.

A actuação russa representa uma nova fase na geopolítica africana, onde múltiplos actores disputam influência num continente cada vez mais central para os equilíbrios do século XXI.